1. ASPECTOS ESTRUTURAIS E FUNCIONAIS
Neste breve estudo procuraremos delinear as
principais características e diferenciações estruturais e funcionais das
diversas espécies de tutela de urgência, numa tentativa de sistematização
tipológica desses institutos jurídicos, enquadrando-os conforme os seus
respectivos elementos que traduzem características e distinções básicas.
As tutelas de urgência - sejam do tipo
cautelar ou antecipatória - apresentam primeiramente uma característica que
lhes é ínsita, qual seja, a sumarização procedimental. Este recurso consiste na
redução do lapso destinado ao conseguimento da providência jurisdicional
emitida em forma de liminar, inaudita altera parte ou após justificação prévia,
mas, em qualquer caso, sempre norteada por uma cognição sumária.
A sumarização do processo corresponde a
vários reclamos e emprega diversas técnicas procedimentais. Porém, o que torna
a sumariedade uma característica inamovível no oferecimento da tutela
jurisdicional de urgência é que nesta, a prestação há de ser pronta e imediata,
sob pena de perder a sua própria eficácia, diante da possibilidade de grave
dano, prejuízo irreparável ou de difícil reparação.[1]
O conhecimento sumário se reduz à análise
das provas escritas, que instruem a peça inicial, e/ou testemunhais, produzidas
em audiência de justificação, unilateralmente, suficientemente capazes de
respaldar um juízo preliminar, provisório ou temporário à segurança, fulcrado
na probabilidade de configuração de dano grave, irreparável ou de difícil
reparação, assegurando utilidade e eficácia do provimento principal definitivo,
e/ou em verossimilhança do direito alegado pela parte demandante, isto é, de
mera plausibilidade e não de certeza. Importa dizer que as tutelas de urgência
buscam fundamento na provável existência do direito que constituirá, ou já
constitui, objeto do processo à cognição plena, também denominado de fumus boni
iuris ou no periculum in mora.
Como elemento integrante das tutelas de
urgência, a provisoriedade ou a temporariedade significam a não definitividade
da providência judicial concedida, a qual dependerá sempre de uma sentença de
"mérito cautelar"[2] ou de uma sentença de mérito propriamente dita
(isto é, a que decide a respeito da pretensão de direito material articulada na
petição inaugural), proferida em processo principal (ou no próprio feito, se
nele ocorreu a concessão ou denegação da medida) que a confirme ou revogue.
Sem maiores dificuldades, vê-se que o fator
tempo assume extrema importância no trâmite e na efetividade do processo,
porquanto é em torno desse eixo central que gravitam todos os anseios e
pretensões dos litigantes, à obtenção de uma rápida solução para os seus
conflitos intersubjetivos. Diante deste elemento temporâneo, vital em seus
efeitos pragmáticos à concretização da jurisdição em toda sua plenitude, faz-se
mister que façamos uma pausa para refletir um pouco mais a respeito.
Parece-nos que o ponto de partida para uma
melhor compreensão dos institutos jurídicos das tutelas de urgência esteja na
distinção entre provisoriedade e temporariedade feita por CALAMANDREI:
"Temporário é simplesmente aquilo que não dura sempre, sem que se
pressuponha a ocorrência de outro evento subseqüente que o substitua: enquanto
o provisório, sendo como o primeiro também alguma coisa destinada a não durar
para sempre, ao contrário daquele, está destinado a durar até' que sobrevenha
um evento sucessivo que o tome desnecessário, existindo, portanto, entre a
provisoriedade típica dos provimentos cautelares e a providência subseqüente
uma relação peculiar, capaz de tomar desnecessário o provimento cautelar quando
o provimento definitivo sobrevenha, fazendo com que seus efeitos
desapareçam".[3]
Seguindo essa mesma linha de pensamento, o
Professor OVÍDIO retomou mais recentemente no Brasil a preocupação com o tema
com o escopo de facilitar a distinção entre tutelas de natureza meramente
cautelar e as tutelas antecipatórias, bem como, para a sustentação da tese que
define as cautelares como instrumento de proteção do direito da parte ao invés
de defesa da jurisdição ou do processo.
Para facilitar a compreensão mais adequada
da diferenciação, o Mestre gaúcho utiliza-se do exemplo empregado por LOPES DA
COSTA (Medidas Preventivas, p. 16, 2ª ed.), a respeito da construção de um
edifício: os andaimes colocados num prédio são temporários, mas não
provisórios, porque eles devem permanecer até que o trabalho exterior da
edificação seja concluído. "São, porém, definitivos, no sentido de que nada
virá substituí-los. Esta temporariedade, no entanto, difere do modo como o
desbravador do sertão se serve da barraca onde acampa, até que possa construir
uma habitação definitiva. A barraca, neste caso, desempenha uma função
'provisória', dado que seu uso estará limitado ao tempo necessário à construção
da habitação definitiva que a substituirá. O provisório é sempre trocado por um
definitivo".[4]
Compartilhamos com OVÍDIO sua tese quando
combate a teoria de CALAMANDREI e afirma que as medidas cautelares devem ser
temporárias e não provisórias, de modo a atender, em resumo, as seguintes
exigências: "a) não deverão ter sua duração determinada pela emanação de
uma providência definitiva 'que as substitua', mas haverão de durar enquanto
dure o estado perigoso (...); b) as medidas cautelares haverão de consistir
,sempre, numa forma especial de tutela jurisdicional diversa daquela que será a
tutela satisfativa (realizadora) do direito assegurado, devendo limitarem-se a
ser uma forma de proteção menor (minus, ou algo diferente (aliudi) em relação a
tutela satisfativa correspondente (...); c) se a medida cautelar deve durar
enquanto existir o 'estado perigoso', então a exigência fundamental é que ela
não crie uma 'situação fática definitiva', ou uma situação cujos efeitos sejam
irreversíveis. Quer dizer, a medida cautelar deverá ser em si mesma temporária,
e igualmente temporária em seus efeitos". [5]
Segundo CALAMANDREI - seguido
ainda hoje por uma plêiade considerável de processualistas, inclusive
brasileiros - o escopo precípuo das ações cautelares seria antecipar os efeitos
da jurisdição,[6] aparecendo a sua garantia a serviço de ulterior atividade
jurisdicional, a qual deverá restabelecer em modo definitivo a observância, a
"dar tempo à justiça de realizar eficazmente a sua obra".[7]
2. DISTINÇÃO E ANALOGIA ENTRE
TUTELA ACAUTELATÓRIA E ANTECIPATÓRIA
Diante de tudo o que já foi exposto, torna-se
mais fácil o delineamento e a conseqüente visualização aclarada a respeito da
distinção entre as tutelas sumárias de urgência ditas acautelatórias e
antecipatórias, ou tutela sumária cautelar e tutela sumária não cautelar.
Em outras palavras, o que estamos
pretendendo demonstrar é que nem todas as formas de cognição sumária urgente
serão cautelares[8] assim como a cautelaridade pura não se confunde com
antecipação satisfativa dos efeitos materiais da sentença de mérito.
Essa última diferenciação é, sobretudo,
fundamental para a compreensão, controle e aplicação das duas categorias,
evitando-se que as últimas (antecipatórias) invadam o campo específico das
primeiras (cautelares), inclusive porque, como pondera ROSENBERG, as
provisionais satisfativas deveriam ser outorgadas como solução de direito
estrito nos limites em que ordenamento jurídico as prevê e autoriza. Não foi
por menos que já ouvimos alerta: "A concessão indiscriminada de liminares
satisfativas, sem previsão legal, pode acabar gerando uma 'jurisdição de
urgência' paralela à comum, com sacrifício, muitas vezes, do princípio da
'bilateralidade da audiência' com a inevitável criação do 'fato consumado, o
que somente em casos excepcionalíssimos poderá estar legitimado".[9]
Ambos os tipos de tutela aparecem com
função idêntica, destinada a neutralizar os danos que podem resultar à parte
que obtenha êxito na demanda no processo de cognição plena (ou exauriente) e,
portanto, de garantir a efetividade da tutela jurisdicional através de técnicas
procedimentais diversas: a técnica da tutela cautelar caracterizada por um
procedimento sumario inidôneo por definição a dar uma disciplina definitiva à
relação controversa, e, por sua vez, a técnica da tutela sumária não cautelar
destinada a desaguar num procedimento sumário, dotado, inversamente, de tal
idoneidade.
Mesmo considerando-se que o recurso à
técnica da tutela sumária não cautelar pode derivar da exigência de garantia da
efetividade da proteção jurisdicional e da exigência de economia processual, o
fenômeno das relações entre tutela sumária não cautelar e tutela sumária
cautelar pode ser descrito graficamente - como bem demonstra PROTO PISANI na
seqüência de seu raciocínio - como dois círculos parcialmente coincidentes, onde
as duas partes que não coincidem representam algumas vezes o setor da tutela
sumária não cautelar, correspondente a meras exigências de economia dos juízos
e o setor das tutelas cautelares chamadas conservativas (ou apenas
parcialmente antecipatórias); por outro lado, a parte coincidente do círculo
representa o setor da tutela sumária não cautelar, correspondente à exigência
de efetividade da tutela jurisdicional e da tutela cautelar totalmente
antecipatória.[10]
Acautelar uma determinada situação fáctica
ou jurídica concreta significa protegê-la, preveni-la, resguardá-la,
defendê-la; logicamente, medida cautelar é medida que acautela, e não que
antecipa. Diversamente, se a medida antecipa os efeitos materiais da sentença
de mérito (definitiva), ela a está executando, provisoriamente, no plano
fáctico;[11] se executa, não acautela, mas satisfaz a pretensão do interessado.
"Nosso entendimento do que seja a 'satisfação' de um direito toma este
conceito como equivalente à sua 'realização' concreta e objetiva. Satisfazer um
direito, para nós, é realizá-lo concretamente, no plano das relações
humanas".[12] Servem muito bem de exemplo as ações possessórias de rito
especial: a tutela liminar concedida é antecipatória e satisfativa, porquanto
realiza jurídica e facticamente a pretensão articulada pelo possuidor, não
obstante provisoriamente.
Diz, acertadamente, o Professor OVÍDIO -
usando do exemplo da reintegratória de posse - que se o autor obtém a
recuperação da coisa através da medida liminar, "... devemos considerar
este provimento como antecipatório da sentença de procedência: e, sendo
antecipatório, será necessariamente 'satisfativo' do 'direito provável' do
autor".[13]
Ademais, não se pode resistir à admissão da
chamada execução provisória contra periculum in mora. "Muitas das
liminares concretizam execução antecipada, ou execução urgente, embora
prestadas sob o nome de cautelares, E as decisões que concedem estas liminares
apreciam, mediante cognição sumária, a lide que deve ser julgada na sentença de
cognição exauriente. Em outras palavras, é possível execução provisória,
através de liminar, mediante cognição sumária da lide. Ora, se devemos admitir
a possibilidade da concessão de liminar antecipatória no procedimento comum,
obviamente temos que aceitar, pena de evidente contradição, a execução
provisória da sentença de cognição exauriente contra o periculum in
mora".[14]
Num estudo voltado à análise da teoria de
CALAMANDREI sobre a jurisdição cautelar, com a autoridade de sucessor universitário
na cátedra do Mestre fiorentino, PISANI ressalta que a sua idéia estava muito
mais dirigida a providências monitórias do que propriamente cautelares, as
quais têm por escopo antecipar a sentença de mérito. [15]
Por sua vez, "A distinção entre o
processo monitório e o processo cautelar, segundo a concepção de CALAMANDREI,
resumir-se-ia na circunstância de consistir o provimento monitório numa
'antecipação de julgamento' (eficácia declaratória que nasce, como dizia o
jurista, com a pretensão de tornar-se definitiva), ao passo que as medidas
cautelares antecipariam 'efeitos', embora CALAMANDREI admita que tais efeitos
antecipados possam ter também conteúdo decisório". [16]
Recentemente, MARINONI publicou um oportuno
estudo que se enquadra perfeitamente com o nosso pensamento, cujo título, pela
objetividade, reflete sinteticamente essa concepção: "tutela
antecipatória não é tutela cautelar". Neste estudo, o Professor paranaense
procura definir a natureza da tutela sumária satisfativa, já que a mesma não
poderá ser cautelar apenas porque assim é rotulada, bem como demonstrar os
fundamentos do pensamento contrário, e escreve: "Demonstramos até aqui que
a tutela antecipatória é considerada cautelar porque muitos acreditam que o
processo serve para a justa composição da lide e outros pensam que não pode
haver execução com base em juízo de verossimilhança.
Porém, quem admite a atuação da vontade
concreta do direito e a execução fundadas em cognição sumária, pode entender
que a tutela antecipatória realiza o direito mediante cognição sumária,
enquanto que a tutela cautelar apenas assegura a viabilidade da realização do
direito".[17]
DONALDO ARMELIN fornece-nos um conceito
bastante elucidativo de tutela jurisdicional cautelar, como sendo aquela
"... prestada ex officio ou por provocação das partes sem caráter
satisfativo e com a finalidade de assegurar, quanto possível, o equilíbrio
entre os litigantes no processo satisfativo e a eficácia da prestação
jurisdicional neste reclamada ou reclamanda".[18]
Não obstante a elevada precisão conceitual
trazida a lume pelo culto Desembargador paulista, a dificuldade na manutenção
de sua pureza, quando confrontada com algumas medidas satisfativas
empiricamente verificadas no universo jurídico-legislativo, exsurge
naturalmente no instante em que ele mesmo efetua essa comparação, não deixando
de anotar que, realmente, existem atuações jurisdicionais que se situam, por
assim dizer, "na zona cinzenta entre cautelaridade e a
satisfatividade" (p.ex. a ação de nunciação de obra nova).
Vejamos um excerto do estudo do citado
Mestre, que demonstra muito bem a complexidade desse tema: "Há prestações
jurisdicionais definitivas, embora temporárias. É o que sucede v.g. com a
obrigação de pensionar, decorrente de ato ilícito, que desaparecerá chegando-se
ao termo final da vida provável da vítima. Mas as prestações jurisdicionais
provisórias apenas sobrevivem enquanto não ocorre a definitiva, in casu, a
satisfativa. É certo que existem prestações jurisdicionais satisfativas
provisórias, como sucede nas liminares das ações possessórias, que
correspondem a suma antecipação da eficácia da prestação jurisdicional
definitiva, ou nas execuções provisórias. São prestações jurisdicionais
satisfativas antecipatórias sujeitas à confirmação ou revogação a final, tal
como existem prestações jurisdicionais cautelares antecipatórias. Mas esta
imbricância quanto à antecipação não descolore a distinção entre
provisoriedade e temporariedade".[19]
Como é sabido, as ações cautelares
propriamente ditas (ou remédios puramente cautelares) têm estrutura e
requisitos específicos. Segundo GIUSEPPE TARZIA, "... a tutela cautelar
aparece efetivamente como um tertium genus em relação às de cognição e de
execução, estando ligada a ambas por nexo de instrumentalidade, que afirma a
sua especificidade também no tocante às tutelas sumárias não cautelares.
Na verdade, não se pode afirmar a
peculiaridade desta tutela e depois dar relevo à possível coincidência de
conteúdo com os processos cognitivos e executórios, porquanto a função da
medida cautelar não é aquela de 'acertamento' (cf. art. 2.909 c.c.) nem aquela
de satisfação coacta, não obstante uma ou outra possa algumas vezes
antecipadamente e provisoriamente realizar-se".[20]
Toda esta Babei teórico-dogmática é
resultante do nosso sistema processual que não foi fiel no Livro III do CPC à
inclusão do que denominamos de tutelas acautelatórias puras ou próprias, ou
seja, aqueles remédios que não apresentam (ou misturam) conteúdos e efeitos
antecipatórios satisfativos da decisão definitiva, mas estritamente
assecurativos desse resultado e/ou do próprio processo. Ao contrário, mesclou
sob o manto do processo cautelar (arts. 796/889) tutelas de urgência
tipicamente cautelares (garantidoras da efetividade do processo, das pessoas,
das provas, dos fatos) com outras medidas de natureza antecipatória
satisfativa (p.ex. alimentos "provisionais", busca e apreensão,
interdição ou demolição de prédio etc.), sem contar com a admissibilidade das
cautelares inominadas que, na prática, de maneira quase que absoluta,
transformaram-se em antecipatórias satisfativas (p.ex. a sustação de
protesto).[21] Por outro lado, como se não bastasse, não há que se perder de
vista também os chamados procedimentos especiais (ou cognitivos especiais),
onde residem várias formas de medidas antecipatórias satisfativas (p. ex. as
ações possessórias de rito especial, os embargos de terceiro etc.).
A verdade é que, queiramos ou não, o nosso
sistema processual tal como está traçado, admite ou prevê expressamente ações
que erroneamente passaram a ser rotuladas de cautelares antecipatórias, de
natureza satisfativas; como realidade inconteste do mundo fáctico e jurídico,
não podemos negá-lo, e, qualquer tentativa em contrário transformar-se-ia numa
insólita quimera, semelhante à descrita por CERVANTES no seu célebre Don Quixote,
na luta do cavaleiro contra os moinhos de vento; ° que desejamos, isto sim, é
investigar zeteticamente o sistema e a doutrina, assim como questionar
analítica e ontologicamente essas tutelas de urgência, que não apresentam
conteúdo ou efeito preventivo ou de mera segurança, mas antecipatório
satisfativo.
Por isso, parece-nos acertada a
classificação feita por FREDERICO CARPI, que não obstante voltada ao direito
italiano, adapta-se como uma luva à nossa particular concepção doutrinária,
qual seja, a tripartição das tutelas de urgência em: a) tutela de urgência
satisfativa autônoma; b) tutela de urgência satisfativa interinal; c) tutela de
urgência propriamente cautelar. [22]
Todavia, essa classificação que, como
dissemos, parece-nos a mais adequada doutrinariamente, deve ser confrontada com
a realidade atual do sistema jurídico brasileiro, para que dúvidas maiores não
pairem, senão vejamos.
Podemos dizer que de acordo com o sistema
posto, poderíamos agrupar as tutelas de urgência de acordo com os seus
conteúdos e efeitos, em classificação ternária: as cautelares propriamente
ditas; as tutelas antecipatórias e as satisfativas autônomas. No primeiro,
aparecem cautelares que chamamos de puras ou próprias. No segundo, as
antecipatórias, específicas ou genéricas.
Porém, há que se ressaltar que o nosso CPC
ainda não encampou a tese das tutelas de urgência satisfativas autônomas, do
tipo sumário injuncional, como verificamos, por exemplo, no sistema do Código
italiano o procedimento d'ingiunzione (arts. 633/656), que em muito se
assemelha à nossa tão esperada ação monitória, cuja inclusão está prevista num
dos Projetos de reforma do CPC, em capítulo próprio (Capítulo XI) a ser
acrescentado ao Livro IV, Título I (arts. 1.102 e ss.).[23]
Contudo, como é sabido, essas três
modalidades de prestação jurisdicional delineadas por CARPI encontraram, entre
nós brasileiros, o veículo do processo cautelar[24], onde a tutela sumária
urgente satisfativa autônoma aparece acobertada pelas cautelares impuras ou
impróprias.
E mais: pretendemos dizer que não se pode
esquecer também de que existem ações as quais, em face de algumas semelhanças
encontradas com as cautelares, passaram a ser tratadas, de uma forma ou de
outra como se acautelatórias fossem, sem, contudo, possuírem com elas plena
identidade estrutural. Nesses casos, antecipam-se um, algum, ou todos os
efeitos da futura sentença de mérito; ou concedem-se medidas preventivas
travestidas de cautelares, que em algumas hipóteses seriam de simples homologação
e/ou satisfativas e autônomas, pela sua natureza; ou, finalmente, admitem-se
como cautelares, ações que possuem rito próprio regulado no CPC.[25]
Da mesma forma, não obstante as últimas e
substanciais alterações verificadas no CPC, em dezembro de 1994, apesar do
Projeto ter acolhido a construção doutrinária e jurisprudencial das cautelares
satisfativas, para os casos em que as medidas concedidas correspondessem à
perda do objeto da ação principal, o parágrafo único do art. 806[26], não foi
integrado ao sistema através da Lei 8.952, inversamente do que sucedeu com a
tutela satisfativa, antecipatória (diferenciada) às ações cognitivas de
procedimento comum (arts. 273)[27] e a tutela antecipatória (específica)
prevista no art. 461, para as ações que tenham por objeto o cumprimento de
obrigação de fazer e não fazer, que passaram a integrá-lo.
De tudo o que foi dito e por mais
controvertidas e polêmicas que sejam as opiniões a respeito do tema, uma idéia
parece ser comum a todos os estudiosos, qual seja, as tutelas de urgência são,
sobremaneira, uma forma de tentativa de harmonização do trinômio segurança,
rapidez e efetividade do processo, na busca incessante da justa composição do
litígio ou, se se preferir, da ordem jurídica justa.
Essas novas espécies de tutela
antecipatória vêm evidenciar que a admissibilidade de uma prestação
jurisdicional sumária satisfativa, embutidas nas técnicas de cognição,
representa a imprescindibilidade à construção do devido processo legal, pois,
como bem lembrou MARINONI, “não é devido processo legal aquele que protela,
injustamente, a realização do direito do autor".[28]
3. DISTINÇÕES ONTOLÓGICAS ENTRE
AÇÃO CAUTELAR, MEDIDA CAUTELAR, MEDIDA LIMINAR, TUTELA CAUTELAR E TUTELA
SUMÁRIA URGENTE
Por último, resta-nos esboçar uma outra
diferenciação que também assume importância à melhor compreensão do nosso
estudo, que pela sutileza e similitude dos enunciados, têm sido erroneamente
empregadas na praxe forense, assim como por alguns doutrinadores e tribunais
como sinônimas; estamos falando das expressões ação cautelar, medida cautelar,
medida liminar, tutela cautelar e tutela sumária urgente.
A ação cautelar, como já tivemos
oportunidade de ver no decorrer deste estudo, é o remédio judicial colocado
instrumentalmente à disposição dos interessados para utilização preparatória ou
incidental, com o escopo de prevenir, garantir, assegurar sem caráter satisfativo,
a concretização futura do direito material colocado sub iudice no processo
principal, cognitivo ou executório.
Nesse tipo de processo, a providência
judicial concedida é acautelatória. Por conseguinte, é tão-somente nestas
demandas que podemos encontrar as medidas cautelares liminares, ou,
simplesmente, medidas cautelares, tendo em vista que o mandamento de cautela
integra o ato judicial.
A providência postulada pela parte, ou
concedida de ofício, em razão das circunstâncias emergenciais de cada caso
concreto não é outra coisa senão uma medida urgente que venha garantir com
segurança uma pretensão qualquer determinada, obstativa da irreparabilidade de
um dano grave ou de difícil reparação de um direito, ou, antecipar os efeitos
fácticos da sentença de mérito de procedência do pedido.
Em outras palavras, as medidas cautelares
são os meios acautelatórios temporários providos pelo Juiz a fim de impedir a
irreparabilidade da lesão do direito da parte. "Com essa finalidade
existem o processo cautelar e as medidas cautelares, que formam um tipo de
atividade jurisdicional destinada a proteger bens jurídicos envolvidos no
processo.[29]
Isto porque as medidas cautelares se
consubstanciam exata e precisamente naquelas providências que cabe ao
Judiciário tomar, às vezes de ofício, às vezes a requerimento da parte, cujo
objetivo seja o de proporcionar condições para que o processo principal, seja
ele de conhecimento ou de execução, possa ser eficaz, no sentido de produzir
efeitos práticos, concretos e palpáveis. É importante que se frise, entretanto,
que o que a parte pode obter com uma medida de natureza cautelar jamais poderá
ser mais do que aquilo que ela poderia obter por meio do processo
principal.[30]
Nem mesmo no processo cautelar as
expressões necessariamente se equivalem, porquanto a medida cautelar, se
concedida antecipadamente, in limine litis ou após audiência de justificação
prévia, importa em medida liminar, pois foi tomada à frente do inter
procedimental, isto é, antes da sentença definitiva, a ser proferida no próprio
feito ou no principal. Nesse caso, a medida liminar é também acautelatória,
diante da sua peculiar natureza - medida liminar cautelar. Diferentemente, se a
segurança perseguida foi concedida apenas na sentença prolatada no bojo do
processo cautelar, e não preliminarmente, há que se falar apenas em medida
cautelar, tendo em vista ser efetivamente a providência jurisdicional
correspondente àquele ato praticado a final, e jamais em liminar.
As prestações jurisdicionais cautelares
consubstanciam-se em medidas cautelares[31], mas não necessariamente em
liminares cautelares. A medida é a providência jurisdicional tomada, enquanto
que a liminar indica o momento procedimental em que a mesma foi tomada.
A diferença, portanto, "... está no
fato de que a liminar 'pode' apresentar uma natureza cautelar mas não tem esta
natureza. Isto significa que é incorreta a idéia, por vezes difundida, de que
toda liminar tem natureza cautelar".[32]
Aliás, CALMON DE PASSOS lembra muito bem
que não se pode considerar que todas as liminares apresentam natureza de tutela
preventiva. Para o Mestre baiano, a prevenção verifica-se quando a liminar é
concedida em função do periculum, suficientemente capaz de tornar impossível a
prestação da tutela jurisdicional definitiva.[33]
Assim sendo, as medidas liminares ou
simplesmente liminares, na qualidade de providência jurisdicional urgente,
podem aparecer, como de fato aparecem, não só nas ações cautelares, como também
em tantas outras que exigem pelas suas circunstâncias peculiares, uma
manifestação mais rápida e eficiente do Estado-Juiz, inclusive de natureza
antecipatória satisfativa, como por exemplo, as liminares concedidas em
demandas possessórias de rito especial.
Não há que se confundir, também, processo
cautelar com tutela cautelar, porquanto o instrumento previsto pelo legislador
para atender as ações ou remédios cautelares destinados a realizar esta forma
de proteção jurisdicional, conhecida como tutela cautelar, não é sempre e
necessariamente utilizada para cumprimento de sua finalidade institucional,
tendo em vista que nem todo processo cautelar contém uma demanda cautelar,
tendente a obter do Juiz uma medida cautelar. O processo é o mecanismo, o
instrumento colocado à disposição do jurisdicionado para obter a proteção
acautelatória.
"Dentre nós, como de resto ocorre nos
sistemas jurídicos europeus, especialmente no direito italiano, a que mais
diretamente nos ligamos, no alemão e no direito francês, a tendência tem sido
no sentido da criação de formas de 'tutelas urgentes', que se servem do mesmo
procedimento, originariamente criado como instrumento destinado à tutela
cautelar somente, embora sejam essas outras espécies de tutelas 'satisfativas'
e 'não cautelares'''.[34]
Vê-se, pois, quão inconfundíveis são a
proteção jurisdicional denominada de tutela cautelar e as outras formas de
tutela sumária urgente, sendo que, inclusive, algumas destas se utilizam do
processo cautelar para atingirem o seu desiderato. Por outro lado, em qualquer
uma delas, a medida liminar estará presente como providência judicial
indispensável a essa consecução, ressalvados os casos de processo cautelar em
que a tutela for conferida apenas na sentença.
Ressaltamos, também, que "A diferença
entre uma 'medida liminar antecipatória' e uma sentença final com que se
encerra uma 'lide parcial', é que, no caso da liminar, a 'restituição do
indevido' dá-se na mesma relação processual, ao passo que nas ações que
contenham 'lides parciais', por serem elas autônomas, e não 'porções' de uma
mesma lide, contida na relação processual em curso, a restitutio in integrum
obriga o demandado que suportará os efeitos da medida antecipatória a assumir a
condição de autor da demanda subseqüente. Isto, todavia, não torna
'qualitativamente' diferentes os efeitos produzidos perante aquele que tivera
de prestar em virtude da liminar, para depois reaver o que pagara
indevidamente, dos análogos efeitos produzidos frente a quem haja prestado em
virtude de sentença sujeita a ter seus efeitos fáticos desfeitos em ação
posterior...".[35]
A verdade é que "O homem não tem
somente direito constitucional à ação cautelar e à ação sumária antecipatória,
mas também, sempre que situações emergenciais as exijam, à medida cautelar e à
medida sumária antecipatória. É que a Constituição lhe garante o direito à
adequada tutela jurisdicional. Assim, ainda que o CPC não tratasse da tutela de
urgência, esta deveria ser prestada com base no princípio da
inafastabilidade".[36]
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Tutela Antecipatória não é Tutela Cautelar.
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Medidas Cautelares Atípicas.
[1] DONALDO ARMELIN. Rev. da
Proc. Ger. de São Paulo, p.
[2] Transportadas as concepções
sobre lide e mérito da causa para a órbita do processo cautelar, chega-se à
conclusão de que o periculum in mora e o fumus boni iuris não são elementos
caracterizadores da referida tutela, mas constituem verdadeiramente o mérito da
ação cautelar (cf. LUIZ GUILHERME MARINONI, Tutela Cautelar e Tutela
Antecipatória, p. 142, concl. nº 34). Mais especificamente, sobre A Lide
Cautelar no Processo Civil, v. ALCIDES MUNHOZ DA CUNHA. Diversamente, seguindo
a doutrina de CARNELUTTI, v. HUMBERTO THEODORO JR., para quem a tutela cautelar
é uma "tutela ao processo, a fim de assegurar-lhe eficácia e utilidade
práticas" (Processo Cautelar, p. 74, nº 50) e a lide é uma só, razão pela
qual não admite a existência do chamado direito substancial de cautela (ob.
cit., p. 60, nº 40), não passando a proteção cautelar de uma disciplina
provisória da lide principal (Curso de Direito Processual Civil, vol. II, nº
1.025). Assim também GALENO LACERDA, que, não obstante admitir a existência de
mérito no processo cautelar, defende a tese de configuração apenas de uma lide
parcial (parte da lide principal) (Comentários ao CPC, vol. VIII, t. I, p. 46,
nº 09).
[3] Introduziolle, pp. 36/37, nº 03, trad. esp.,
Buenos Aires, 1945 (apud OVÍDIO, Curso, vol. III, p. 38).
[4] Curso de Processo Civil, vol.
III, pp. 38/39, § 8°. E diz mais: "O provisório somente poderá ser
substituído pelo definitivo se houver entre eles, como observou CALAMANDREI,
uma relação entre seus efeitos que tome capaz a substituição de um pelo outro,
quer dizer, se ambos forem da mesma natureza, de modo que o provisório possa
ser forçado pelo definitivo", (p. 39).
[5] OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA.
Curso, vol. m, pp. 42/45. Lembra ainda muito bem que CALAMANDREI (ob. cit.) não
contrapõe a cautelaridade à satisfatividade e sim à definitividade. Para o
Mestre italiano, o elemento que distingue as duas categorias é a circunstância
de ser a medida cautelar provisória e, como tal, oposta às providências
definitivas (p. 42). Assinala também com precisão, que "A diversidade dos
efeitos entre a medida cautelar e outra que seja antecipatória, é que assegura
o caráter de "temporariedade essencial as providências cautelares, ao
contrário da provisoriedade que - enquanto antecipa os efeitos da sentença de
procedência - pode produzir conseqüências práticas definitivas e
imodificáveis, como se dá, por exemplo, com os alimentos provisionais. Quem
recebe os provisionais, mesmo que seja declarado depois sem direito a eles, não
os devolverá. Não há, portanto, 'no plano fático', nada que se possa dizer
provisório. A sentença é provisória, enquanto ato capaz de ser revogado depois:
os alimentos provisionais pagos são definitivos, uma vez percebidos pelo
'suposto credor'''. (p. 43).
[6] PIERO CALAMANDREI, lntituzioni, vol. I, pp.
51/52, § 18.
[7] Idem, p. 53, § 19. Para
CALAMANDREI "O conteúdo da garantia cautelar é variável, enquanto, devendo
ele antecipar em modo provisório os efeitos de uma sucessiva garantia
jurisdicional definitiva, há necessidade de quando em vez de conformar-se ao
variado conteúdo desta: mas este é o seu caráter distintivo: o de ser o
prenúncio e a antecipação (e se poderia dizer, a sombra que precede o corpo) de
um outro procedimento jurisdicional, o instrumento para fazer com que esse
possa atingir em tempo, 'la garanzia della garanzia' (p. 53).
[8] Neste sentido v. OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA
(Curso, vol. III, p. 47, § 9°) e DONALDO ARMELIN (Rev. da Proc. Ger. do Est.
São Paulo, vols. 23/125. Escreve também NELSON PINTO que assim como sucede no
mandado de segurança, nos embargos de terceiro e nos interditos possessórios
"... a liminar que é eventualmente concedida pelo Juiz tem, via de regra,
como objetivo, adiantar, integral ou parcialmente, o resultado buscado pela
parte, e tem os seus pressupostos quase que coincidentes com os fundamentos do
mérito da ação". (Processo Cautelar, p. 08).
[9] OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, Teoria de la acción
cautelar, p. 28, § 10.
[10] La nuova disciplina del
processo civile, p. 302, nº 1.8.
[11] V. o estudo de MARCELO
GUERRA intitulado Reflexões em Torno da Distinção entre Execução Provisória e
Medidas Cautelares Antecipatórias (Rev. de Proc., vols. 57/208-210). Escreve
que "Comparando as medidas cautelares antecipatórias e a execução
provisória, observa-se que é possível encontrar entre ambas um ponto
[12] OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA,
Curso, vol. III, p. 21, § 4º. Segundo o citado Doutrinador, "Todo direito
tende, necessariamente, para a realização. O direito, pode-se dizer, é uma
ordem normativa carente de realizabilidade prática. Podemos dizer, então, que
os direitos tendem a realizar-se no plano social e a tutela cautelar é,
precisamente, um instrumento eficaz concebido para assegurar a realização dos
direitos. Queremos chamar a atenção do leitor para o que acaba de ser dito.
Conceituando a tutela cautelar, tivemos o cuidado de dizer que ela exerce a
função de instrumento que 'assegura' a 'realização' dos direitos subjetivos.
Assegura, porém não 'satisfaz' o direito assegurado". (idem, ibidem).
[13] Curso de Processo Civil,
vol. III, p. 32, § 7°. Curso de Processo Civil, vol. III, p. 32, § 7°.
[14] LUIZ MARINONI, Rev. dos
Trib., vol. 706/58, nº 11. Efetividade do Processo e Tutela Antecipatória.
[15] PROTO PISANI, Riv. di dir. proc., vol.
34/1979, p. 575. Sulla tutela giurisdizionale differenziata.
[16] OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA,
Curso, vol. III, p. 41, § 8°. Ressalta também com muita propriedade que
"Tudo afinal se resume numa compreensão errônea de modo como é formado o
conteúdo do ato jurisdicional e a relação existente entre seu respectivo
'conteúdo' e 'efeitos· ...” (idem, ibidem).
[17] Rev. de Proc., vol. 74/100,
nº 5. Tutela Antecipatória Não é Tutela Cautelar. "... Será que a evolução
da consciência dos homens, que já fez ruir tantos castelos construídos nos
ventos de outras épocas, não permitirá a derrubada do mito da nulla executio
sine titulo? (p. 99, nº 14). MARINONI assinala muito bem que "Em se
tratando de tutela antecipatória, a definição do encargo da propositura da
ação principal deve ser feita em atenção às diversificadas situações de direito
substancial, sendo insuficiente a norma de direito processual que prevê, de
forma generalizada, que o autor da ação antecipatória tem o ônus de propor a
ação de cognição exauriente". (p. 100, nº 05). Em sentido contrário v. GALENO
LACERDA (Comentários ao CPC, vol. VIII, t. I, pp. 14 e ss.) que, ao fazer a
classificação e distinções entre a ações cautelares, segundo a finalidade,
além da segurança quanto à prova (cognição) e a segurança quanto aos bens
(execução), admite ainda a segurança mediante antecipação provisória da
prestação jurisdicional (ex. alimentos, guarda de filhos e grande parte das
cautelares inominadas). No mesmo diapasão v. ROGÉRIO LAURIA TUCCI (Rev. de
Proc., vol. 67/58-59. Medidas Cautelares Constritivas Patrimoniais).
[18] Rev. da Proc. Geral do Est.
de São Paulo, vol. 23/121. É de se registrar também o conceito fornecido por
JOÃO BASTOS, baseado nos elementos estruturais que compõem a tutela cautelar,
conforme os ensinamentos de CRISANTO MANDRIOU (Riv. di Dir. Proc., vol. XIX,
pp. 551/558. Per una nozione strumentale del provvedimenli anticipatori o
inlerinali): "aquela medida 'temporária', obtida por uma 'sentença
mandamental' (sem exame de mérito), através de 'cognição sumária', como forma
de proteção jurisdicional a um direito que se supõe aparentemente como
existente (fumus bani iuris) (Direito Substancial de Cautela), sobre o qual
incide uma situação concreta de perigo se houver retardamento (periculum in
mora) na prestação jurisdicional de cautela ('situação cautelanda'), e que se
não atendida de imediato poderá causar um 'dano irreparável', constituindo-se
quanto à ação principal futura a ser proposta, ou no processo já em curso em
segurança para a execução da futura sentença de mérito, sem, portanto,
satisfazer ou antecipar no todo ou em parte, eficácias desta". (Rev. Jur.,
vol. 139/45-46, nº VI. As Novas Correntes e a Tendência Moderna em Tema de
Tutela Cautelar). Para um aprofundamento sobre os elementos estruturais das
ações cautelares (denominados por OVÍDIO de pressupostos) - sumariedade da
cognição, iminência de dano irreparável, situação cautelada e sentença
mandamental - v. Teoria de la acción cautelar, pp. 101/125). Contrariamente, v.
HUMBERTO THEODORO JR., para quem os requisitos específicos das cautelares se
resumem em risco potencial (periculum in mora) e plausibilidade do direito
substancial (jumus boni iuris) (Processo Cautelar, pp. 72/79, nºs 49/52; Rev.
For., vol. 582/5-6. Medidas Cautelares Atípicas; Rev. Jur., vol. 129/153-157.
Medidas Cautelares - Requisitos da Tutela Cautelar). Lembramos que o Professor
mineiro não admite a existência do chamado direito substancial de cautela (cf.
Processo Cautelar, pp. 59/61, nº 40).
[19] DONALDO ARMELIN. idem, p.
122. Após essa colocação, o ilustre Professor explica porque essa imbricância
não descolore a distinção entre provisoriedade e temporariedade, nos seguintes
termos: "A uma, porque a prestação da tutela jurisdicional cautelar é
sempre provisória, o que não ocorre com a satisfativa: a duas, porque o
fundamento de uma e de outra são díspares e inconfundíveis" (idem,
ibidem). Mas, afinal de contas, as cautelares são provisórias ou temporárias? E
como ficariam as ditas "cautelares satisfativas"? Seriam elas
temporárias? E essas "cautelares antecipatórias" seriam realmente
acautelatórias, quando conceitualmente o caráter satisfativo está excluído das
cautelares?
[20] Il nuovo processo cautelare,
p. XXVII.
[21] Assim também v. NELSON
PINTO, quando assinala que o CPC incluiu indevidamente no Livro III alguns
procedimentos específicos que não têm todas as características dos remédios
acautelatórios, sendo apenas nominalmente cautelares. E exemplifica com a
busca e apreensão, quando satisfativa; a homologação do penhor legal e a posse
em nome do nascituro, as quais não se prestam, propriamente, a servir a um
outro processo, "mas têm como objetivo a satisfação de uma pretensão,
rapidamente e em caráter definitivo". (Processo Cautelar, pp. 11/12). No
mesmo diapasão a tese defendida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no
sentido de que as cautelares nunca podem gerar providências definitivas e
irreversíveis no plano do direito material (cf. Ap. Cív. 26.034, j. em
31/03/87, Rel. Des. Osny Caetano).
[22] Riv. di Dir. Proc., vol.
40/680-724, La tutela d'urgenza fra cautelar, sentenza anticipata e giudizio di
merito. Nesse sentido também v. OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, Curso, vol. III, p.
10, § 1º.
[23] É o seguinte o teor do novo
art. 1.102a: "A ação monitória compete a quem pretender com base em prova
escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro,
entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel". Art. 1.102b.
"Estando a petição inicial devidamente instruída, o Juiz deferirá de
plano a expedição do mandado de pagamento ou de entrega da coisa no prazo de
quinze dias". Art. 1.102c. ... §§ 1º, 2º e 3º ... Segundo OVÍDIO BAPTISTA
DA SILVA, a distinção entre providência cautelar e antecipatórias (monitórias),
reside na formação do conteúdo do ato jurisdicional e na relação existente
entre seu respectivo conteúdo e efeitos (Curso, vol. m, p. 41, final).
Recordamos que o direito brasileiro já conheceu uma espécie de ação monitória
ou injuncional, através da cominatória prevista no art. 302 do revogado CPC de
39; antecipava-se o efeito condenatório, embora condicionalmente. Também, nas
ações executivo- condenatórias do art. 298, não se adiantava a condenação, mas
o efeito executivo, mediante a efetivação da penhora. (cf. OVÍDIO, Comentários
ao CPC, vol. XI, pp. 34 e ss.).
[24] OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA,
Teoria de la acción caulelar, p. 125, § 28.
[25] Assim também v., JOÃO
BASTOS, Rev. Jur., vol. 139/46, nº VIII. As Novas Correntes a Tendência Moderna
em Tema de Tutela Cautelar.
[26] Era a seguinte a redação
conferida pelo Projeto ao parágrafo único que seria acrescentado ao art. 806 do
CPC: "Dispensar-se-á a propositura de ação principal, quando a execução da
medida cautelar importar em perda do seu objeto, devendo essa circunstância ser
declarada pelo Juiz por ocasião da concessão da medida".
[27] Enquanto o inc. I do art.
273 regula as hipóteses de antecipação da tutela diante de periculum in mora, o
inc. II permite a realização antecipada do direito, prescindindo desse
requisito, bastando para a sua concessão o abuso no exercício do direito de
defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. E como se percebe da redação
cristalina do caput do mesmo artigo, trata-se de antecipação satisfativa que
importa em execução "provisória" da pretensão, fulcrada em juízo de
verossimilhança (in fine).
[28] Rev. de Proc. vol. 74/101.
nº 06. E diz mais: "Ninguém ousará pensar que esta tutela antecipatória
tem caráter cautelar, muito embora CALAMANDREI tenha chegado a afirmar que
mesmo a cláusula de execução provisória de sentença concedida em base na
probabilidade de que a sentença de primeiro grau não vai ser modificada, caso
analisada pelo ângulo da provisoriedade, comporta-se como um provimento
cautelar". (idem, ibidem).
[29] VICENTE GRECO FILHO. Rev.
Jur. do TJSP, vol. 90/15. Notas Sobre Medidas Cautelares e Provimento
Definitivo. Lembra PINTO FERREIRA que "'cautela', 'ae', é um s. ap. f.,
proveniente de 'cautus', significando precaução, cautela, cuidado, prevenção;
'cautus', 'a', 'um', é o part. p. de 'caveo', 'es', 'caoi', 'cautum'
('cavitum', 'arc.'), significando acautelar-se, tomar cuidado, precaver-se,
prevenir-se". (Vox Legis, vol. 146/7-8. Medidas Cautelares e Decadência do
Direito de Reserva de Bens em Inventário).
[30] TERESA ALVIM. Medida
Cautelar, Mandado de Segurança e Ato Judicial, p. 150. Diz ainda a Professora
paulista: "O máximo que pode haver, sob pena da medida cautelar perder a
sua 'cautelaridade', é que se trate de medidas idênticas, - a cautelar e a
principal, diferenciando-se ambas pelas circunstância de a primeira ser
provisória e a segunda definitiva. Assim, ainda que ambas as providências
possam coincidir substancialmente, a de caráter cautelar deve sempre ser
infirmada ou conformada pela definitiva. ( ... ) "O mais comum,
entretanto, é que não haja essa coincidência e que a medida de índola cautelar
tenha um objeto menos abrangente do que o da principal. Ainda assim, não é
demais repetir-se, as medidas cautelares não podem bastar-se a si mesmas, sob
pena de perderem seu caráter cautelar". (idem, p. 151).
[31] ARMELIN. Rev. da Proc. Geral
do Est. São Paulo, vol. 23/122. A Tutela Jurisdicional Cautelar.
[32] BETINA RIZZATO LARA.
Liminares no Processo Civil, p. 23, nº 2.2. Por outro lado, não obstante a
citada Doutrinadora ter percebido muito bem a distinção entre medida cautelar e
medida liminar, com a devida vênia, divergimos radicalmente do seu entendimento
quando afirma' que "As liminares, conforme já referido, configuram sempre
uma antecipação dos efeitos fáticos da sentença. As medidas cautelares, no
entanto, podem ou não apresentar este caráter antecipatório".
Primeiramente, parece-nos não ser correta a afirmação generalizadora de que as
liminares "...configuram sempre uma antecipação dos efeitos fáticos da
sentença..." (p. 24), tendo em vista que existem providências judiciais
que, apesar de concedidas liminarmente, apresentam efeitos fácticos e jurídicos
diferenciados daqueles que se verificará quando da prol ação da sentença de
mérito de procedência do pedido. Tenhamos em vista, para exemplificar, uma ação
de nunciação de obra nova onde o autor articula na exordial como pretensão
principal (objeto imediato da demanda) a demolição de determinado prédio que
está em fase de construção (também chamada de ação demolitória). De outra
feita, a título de medida emergencial, postula a concessão de liminar para
efetivação do embargo da obra nova. Salta aos olhos com meridiana clareza a
distinção entre os efeitos fácticos da liminar (o embargo) e aqueles que se
verificarão na hipótese de julgamento procedente do pedido, ao ser prolatada
sentença de mérito (a demolição). O segundo equívoco (menos grave, porquanto
reflete um posicionamento doutrinário baseado na teoria de CALAMANDREI)
parece-nos residir na admissibilidade das medidas cautelares apresentarem
natureza antecipatória. Ora, as medidas cautelares são encontradas somente no
bojo das ações cautelares, as quais apenas têm caráter preventivo,
assecuratório, enquanto a antecipação importa em satisfação (mesmo que
provisório) da pretensão, portanto, dos efeitos concretos da sentença de mérito
da lide principal. Já tivemos oportunidade de dizer: a antecipação não
acautela, mas satisfaz pretensão à antecipação e um desvirtuamento dos remédios
cautelares em face da nossa sistemática normativa. A esse respeito, nosso
posicionamento já se encontra bem delineado no corpo deste estudo.
[33] Comentários ao CPC, vol. X,
p. 61.
[34] OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA,
Curso, vol. III, p. 9, § 1º. Ressalta o festejado Mestre que o método de estudo
baseado na diferenciação dos tipos de tutela (cautelar e sumária urgente)
oferece duas vantagens indiscutíveis. "Uma delas é a própria necessidade
de conceituar o que seja realmente 'cautelar', comparando-o com as demais
espécies de tutela igualmente urgentes que sejam 'satisfativas'. Em última
análise, o estudo simultâneo da tutela cautelar e das demais formas de tutela
satisfativa urgentes servirá para melhor compreender a primeira. A outra
utilidade do método é realizar uma tentativa de sistematização das formas de
tutela satisfativas, atualmente desenvolvidas na prática forense brasileira,
tarefa esta que não tem sido objeto de interesse dos estudiosos". (idem,
pp. 09/10).
[35] OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, Curso, vol.
III, p. 58, § 11.
[36] LUIZ GUILHERME MARINONI. Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória, pp. 92/93. Lembra também que no Livro m do CPC existem: "determinadas ações que não são cautelares, mas sumárias antecipatórias. Isto nos permite tranqüilamente afirmar, portanto, que também as ações sumárias antecipatórias podem ser requeridas com fulcro no art. 798". (idem, p. 89).